(No meio-dia das coisas)

1. Atestar a existência de algo que não nos pertença é o princípio de uma aliança entre o ponto de vista e a visão.

2. Esta aliança também se dará entre aquilo que somos e aquilo que não seremos.

3. Como em toda aliança real, não se trata de um pacto ou de um contrato. Não há compromisso aqui senão com a própria radicalidade possível.

4. A aliança só é fiel à redefinição infinita de seus termos.

5. É preciso assumir a alteridade radical de uma pedra para assumir a alteridade radical de uma pessoa.

6. Isto significa, na prática, assumir que haja dentro do que é nosso, o que nos é alheio. E dentro do que nos é alheio, algo que nos pertença.

7. Este é o meio-dia das coisas.

8. O meio-dia é o instante em que a claridade absoluta torna-se capaz de cegar e revelar, simultaneamente. 

9. Justamente por aquilo que revela, cega.

10. Justamente por aquilo que cega, revela.

11. Isto é sim um equilíbrio. 

12. Porque um equilíbrio não é um meio termo, um silêncio, um sistema estável. O equilíbrio se dá quando as posições absurdas são levadas a sério em sua materialidade. E, então, deslocadas de onde estão.

13. Para que se estranhem novamente as próximas.

14. O meio-dia das coisas é um sistema relacional. Mesmo que de relações de algo para consigo mesmo.

15. Assim como o gosto de algo é sua textura ou seu cheiro.

16. Ou como a imagem do mar pode ser uma memória, ou um sonho.

17. Por isso, o meio-dia das coisas aceita que o indivíduo é um acidente.

19. Deus, olhando de perto, é daemon mesmo.

20. O custo a se pagar é o fim da história do homem como história de um triunfo.

21. Não existe uma linha reta que conduza da barbárie à civilização, mas existe, sim, uma do estilingue à bomba atômica.

22. O meio-dia das coisas deve trazer o grau zero da ética, portanto.

23. Caso contrário, só haverá uma igualdade cínica de pressupostos.

24. O meio-dia das coisas procura os pressupostos dos pressupostos.

25. Sendo assim, apenas em ato ele poderia existir.

26. Sua presença é, portanto, uma parte de seu fim.

27. E seu fim, a latência de seu retorno.

28. Sem que isso indique uma potência que se converta em realização.

29. A passagem de um possível a outro possível é o impossível.

28. Como a voz de um avô morto. Onde ela falha. Como aquilo que aqui fracassa.


  

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